“O dia mal tinha começado e já passava das 18h. Homero estava sentado no lounge de seu restaurante e queria morrer! Após trabalhar a semana toda, concluindo uma complexa agenda de obstáculos e decepções, ele se sentia cansado demais para continuar vivo. De alguma forma, ele ouvia todos ao seu redor e tentava ignorá-los. Os assuntos entravam por seus ouvidos e então ecoavam brevemente em sua cabeça até sumirem por completo. O mesmo esforço utilizado para ignorar o ambiente, cada vez mais cheio, era investido também para manter um aspecto simpático em seu rosto. Homero estava sério, concentrado em seus problemas, mas ainda permanecia em meio às pessoas que ele considerava amigos. Amigos talvez nunca seja a palavra certa, quando se trata das relações de Homero, tamanho o descaso que ele sente por sí próprio. Pessoas assim costumam se isolar, até se esconder, mas Homero se esconde em público, sob pilhas e pilhas de trabalhos e tarefas. Geralmente, essa é uma forma simples de agir, consolidando uma personalidade pública que não apresenta semelhança nenhuma com quem ele realmente é!”
Escrevi o texto acima em 2012 e essas palavras, que passaram anos perdidas entre meus arquivos, acabaram por se tornar a gênese do livro O Sexto Estágio.
Na época era difícil relacionar os problemas profissionais e pessoais com o luto recente, mas alguns pequenos relatos como esse, que escrevia em meus momentos de dor ou tédio, acabaram por documentar sentimentos reais e constantes, que anos mais tarde entendi como um mapa de meu luto.
Ao longo do livro tentei incorporar esses textos, nas descrições das cenas ou na íntegra, sempre de forma a mostrar a minha face mais verdadeira em cada um dos estágios. Não foi um processo fácil, e costumava encerrar cada capítulo apenas quando me sentia destruído por ele. Acredito que, apesar das doses de ficção, essa foi uma experiência muito sincera e crua, que me colocou frente a frente com meus conflitos e me obrigou a superá-los em palavras, a cada parágrafo, a cada página. Foram muitas delas, muitas lágrimas também.
Ao ler esses relatos desconexos e inacabados dos meus dias sombrios, agradeço por ter usado a escrita como válvula de escape, não apenas na época, mas também quando decidi transformar minhas dores em uma narrativa tão intensa. Até mesmo o mais pleno vazio existencial é muito rico quando traduzido em palavras.
Escrever é como cavar, quanto mais dura a cabeça, mas difícil o trabalho… Mas vale a pena, tem muita coisa valiosa lá no fundo.